“Abby”: O filme de terror blaxploitation que a Warner Bros. tentou apagar
- agosto 18, 2025
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Em 1974, “Abby” chegou aos cinemas com a audácia de quem sabe o que tem em mãos. Mal sabia que a Warner Bros. logo entraria com um processo,
Em 1974, “Abby” chegou aos cinemas com a audácia de quem sabe o que tem em mãos. Mal sabia que a Warner Bros. logo entraria com um processo,
Em 1974, “Abby” chegou aos cinemas com a audácia de quem sabe o que tem em mãos. Mal sabia que a Warner Bros. logo entraria com um processo, quase apagando o filme da existência por ousar lembrar “O Exorcista”. Sim, as similaridades são claras: uma mulher possuída, o caos se instala e um religioso precisa realizar um exorcismo dramático para salvá-la. Mas resumir “Abby” a isso é um baita desserviço!
Enquanto “Abby” bebe da fonte de “O Exorcista”, ela é um animal completamente diferente. Esqueça a solenidade católica e os cantos gregorianos. Aqui, as cenas de exorcismo pulsam com ritmos gospel e o fervor de uma congregação unida. A trilha sonora? Cheia de guitarras wah-wah, um clássico dos filmes blaxploitation, e um baixo que te faz vibrar. Nesse universo groovy, a fé não é uma ideia abstrata, mas uma força comunitária ativa, e quando ameaçada, toda a comunidade sente o baque.
A principal diferença tonal em relação à sua inspiração hollywoodiana está no ritmo. “O Exorcista” é uma queima lenta, com uma tensão que te congela. “Abby”, por outro lado, sua. Balança. Canta. Se a câmera de Sam Raimi (“Evil Dead”) era uma montanha-russa, “Abby” é o protótipo, com movimentos que te jogam direto no caos. A gente se identifica com as reuniões da igreja, os casamentos e os jantares em família. Essa proximidade mostra que não é só a alma de Abby que está em jogo, mas todo o seu sistema de apoio. Essa interconectividade muda a percepção da possessão. Em “O Exorcista”, quase tudo acontece no quarto de Regan. Já em “Abby”, as explosões demoníacas podem rolar em qualquer lugar: igrejas, escritórios, bares, até na rua! Fica claro que Abby não é a única vítima, mas sim toda a congregação.
No centro de tudo, temos Carol Speed, com uma atuação que continua eletrizante mais de 50 anos depois. Abby Williams não é uma donzela indefesa, mas uma mulher adulta, com carreira, casamento e um lugar na comunidade. Sua possessão é mais que uma perda de inocência: é um ataque brutal à sua identidade, maturidade e autocontrole. Ela incorpora a fisicalidade com contorções desconfortáveis e a ferocidade vocal com uma voz dublada que é profunda e perturbadora. Num piscar de olhos, ela vai do agradável ao cruel, do sedutor ao sádico. Tudo isso cria uma performance perturbadora que, assim como o filme, é camp e séria ao mesmo tempo, mostrando o melhor dos filmes de exploração. Carol Speed teve até a liberdade de improvisar, cantando uma música que ela mesma escreveu, “Is Your Soul a Witness?”. Uma liberdade criativa rara!
“Abby” funciona tão bem graças à força do resto do elenco. William Marshall, com sua voz grave e imponente (lembra James Earl Jones?), traz seriedade ao filme. Ele interpreta o bispo Garnet Williams, sogro de Abby e o herói da história. O filme também conta com vários atores familiares, aqueles rostos que a gente reconhece na hora, mesmo que não saiba o nome. Terry Carter, o eterno Coronel Tigh de “Battlestar Galactica”, é o marido de Abby, o reverendo Emmett Williams. Sua seriedade e sinceridade o tornam um personagem cativante. Enquanto o caos ameaça engolir tudo, ele se torna a âncora que o público precisa. É através dos seus olhos que entendemos que o filme não é só sobre salvar Abby, mas sobre lutar para salvar um casamento e a vida que o casal construiu. Juanita Moore, como a sogra de Abby, traz o calor e a estabilidade que os personagens e o público precisam em meio ao caos. E ainda temos o mestre do terror Charles Kissinger e o carismático Nathan Cook, que dão peso e autenticidade ao universo de “Abby”. A presença deles faz a gente sentir que a comunidade é real.
O diretor William Girdler não era nenhum estranho em explorar tendências. Ele capitalizava em cima do que estava em alta, criando filmes baratos, mas incrivelmente emocionantes e divertidos. Apesar de não ter dirigido muitos filmes, a maioria é memorável, como o slasher “Three on a Meathook” e os jawsploitation “Grizzly” e “Day of the Animals”. Mas “Abby” se destaca por unir a energia da exploração com detalhes culturais sinceros. Como suas outras produções, o filme teve um orçamento baixo e foi feito rapidamente, aproveitando ao máximo as locações e o elenco. Em vez de imitar o pavor polido de “O Exorcista”, ele criou uma representação realista de pessoas comuns lutando contra o mal. Mas Girdler não fugiu dos momentos mais chocantes. A linguagem obscena do demônio, a edição frenética e os zooms rápidos se juntam aos gritos gospel, aumentando a tensão emocional. Por baixo do camp, existe um senso genuíno de perigo.
Uma das coisas mais impressionantes em “Abby” é a rapidez com que o filme mergulha no sobrenatural. Quem assistiu “O Exorcista” já sabia o que esperar. Quando o bispo, Emmett e o detetive Potter se unem para lutar contra as forças das trevas, a gente já está torcendo por eles. Em vez de cânticos em latim em salas escuras, temos o som estrondoso do gospel enquanto a família e a igreja lutam juntas.
Outro ponto que diferencia “Abby” de filmes similares é a mitologia em que se baseia. Em vez de um demônio cristão, o espírito antagonista vem da tradição espiritual africana. O bispo de Marshall o liberta acidentalmente durante uma escavação na Nigéria, e de alguma forma ele viaja pelo mundo para possuir Abby e atrair o bispo para sua teia. A escolha da entidade demoníaca mostra que a possessão não é aleatória, mas sim uma força calculada, conectada à herança e à história dos personagens.
O filme também se destaca por permitir diferentes interpretações da possessão demoníaca. “Abby” convida o público a tirar suas próprias conclusões. Será que Abby está apenas lutando para salvar sua identidade? Ou será que é uma forma de unir a comunidade contra uma ameaça sobrenatural? Aqui, Abby é uma adulta que não só luta para manter sua alma, mas também precisa reunir forças para manter sua essência.
Com um orçamento de apenas 400 mil dólares, “Abby” arrecadou quase 4 milhões antes da Warner Bros. entrar com o processo. Isso fez com que o filme caísse no esquecimento, tornando-se um Santo Graal entre colecionadores, com fitas VHS piratas circulando por aí. Era mencionado em sussurros entre fãs de cinema cult, e o fato de nunca ter sido lançado em vídeo caseiro só aumentou seu fascínio. Felizmente, hoje em dia, podemos assistir ao filme completo no YouTube, cortesia da Blacktree TV. Além disso, o filme volta e meia aparece em festivais, ganhando novos fãs.
Claro, o filme é peculiar e alguns efeitos especiais são datados, mas ele tem uma energia honesta que o diferencia de outras cópias de “O Exorcista”. A atuação confiante de Carol Speed, a presença imponente de William Marshall e a direção sincera de William Girdler são uma combinação vencedora. “Abby” vai além de ser só mais um filme feito para aproveitar a última moda e leva os tropos do terror em uma direção inesperada. Ele cria um universo emocionante que une sua comunidade e desafia o espectador a considerá-lo algo menos. No auge do boom do blaxploitation, poucos filmes do gênero eram de terror, mas “Abby” chegou ao topo como o melhor deles. Ele provou que uma produção barata, feita às pressas e que pega ideias de outro filme ainda pode ser algo incrível de se ver. Ao usar a mitologia africana como sua principal força antagônica e colocá-la firmemente na comunidade negra, o filme apresentou temas praticamente inexistentes no cinema convencional da década de 1970.
O filme também oferece sustos genuínos e um humor involuntário. Enquanto “O Exorcista” mostra o demônio Pazuzu apenas duas ou três vezes, os rostos demoníacos aparecem mais vezes em “Abby”, e são de arrepiar. Em vez da batalha básica entre o bem e o mal, o filme dá ao espectador a liberdade de escolher sua própria interpretação dos eventos. Apesar dos problemas legais e da disponibilidade limitada, “Abby” vale a pena ser procurado. É uma história de terror que mostra como até mesmo uma suposta imitação pode se tornar uma declaração de resiliência, herança e a vontade inabalável de manter o próprio espírito.